sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

texto texto texto

existem tantos preconceitos sobre O TEXTO de teatro que qualquer um fica confuso e com medo de trabalhar com um, pode ser uma peça de teatro, uma adaptação literaria, um texto autoral. De qualquer forma, é uma questão problemática.
Para ajudar a desanuviar um pouco, algumas palavras do autor do livro Teatro Pós Dramático, Hans-Thies Lehmann:

"Ainda que o teatro estivesse se afastando a passos largos da representação tradicional do drama, e ainda que alguns defensores da autonomia e da "reteatralização"do teatro chegassem a exigir que o texto fosse banido, o teatro radical da época não visava simplesmente a indiscriminada desvalorização do texto, mas sua "salvação": no "teatro de diretor" que despontava, o que em muitos casos se buscava era justamente arrancar os textos da convenção e preserva-los dos ingredientes aleatórios, fúteis ou destrutivos da culinária de feitos teatrais. Hoje em dia, quem clama pela salvação do teatro textual dos crimes cometidos pelos diretores deveria se recordar desse contexto. O maior perigo que ameaça a tradição do texto escrito vem da convenção antiquada, e não das formas radicais de lidar com ele."


Quanto ao uso do texto na situação atual:

"O teatro já não aspira à totalidade de uma composição estética feita de palavra, sentido, som, gesto etc. que se oferece à percepção como construção integral; antes assume seu caráter de fragmento e de parcialidade. Ele abdica do critério da unidade e da síntese, há tanto tempo incontestável, e se dispõe à oportunidade (ou ao perigo) de confiar em estímulos isolados, pedaços e microestruturas de textos para se tornar um novo tipo de prática. Desse modo, ele descobre uma inovada presença do performer a partir de uma mutação do ator e estabelece a paisagem teatral multiforme, para além das formas centralizadas do drama."




domingo, 28 de novembro de 2010

Paralelamente...

2 carrinhos estão em processo com o espetáculo PARA SEXTA-FEIRA que estréia agora na terça, 30 de novembro no Teatro Barracão da Faculdade de Artes do Paraná.

Durante as pesquisas me deparei com algumas palavras do encenador Gerald Thomas sobre Samuel Beckett, palavras que cabem perfeitamente no processo de PARA SEXTA-FEIRA:

"Não existe (nem em Happy Days ou em Fim de Jogo) uma intenção de jogar a criatura humana dentro do seu erro mais brutal: o de questionar suas existências. Ao contrário, as criaturas estão todas lá. O que falta é sempre algo que viria de fora, um Godot que não aparece nunca, um vento que promete, mas nem brisa vem, um cão amigo que nunca chega para guiar seu dono cego.
Os personagens são vítimas, assim como nós, na plateia, somos vítimas do destino ou de “algo maior” que nos rege. Samuel Beckett é um autor mágico que usou 80 mil referências e, no entanto, aboliu, deletou, apagou as preposições que as uniriam. Então somos vítimas de referências que precisam de referências, e isso torna tudo um enorme exercício de metalinguagem.
Por que montar Beckett então?

Porque ele reflete nossa lúcida instabilidade e vulnerabilidade como nenhum outro autor.

A obra de Beckett é, antes de mais nada, lúcida, superlúcida e nem um pouco absurda.

Ela nos revela nossas eternas repetições e rodas e redemoinhos do pensamento que vêm a ser nossas vidas. Beckett expõe, como se fossem feridas abertas, o quão ridículo, estranho e engraçadíssimo todo esse tormento pode ser.
Mas o fato é que, se perguntarmos “por que montar suas peças”, a resposta é mais que evidente: ele é a própria representação do nosso espelho quebrado, despedaçado num canto escuro qualquer dessa nossa vida estranha com seus murmúrios e grunhidos, do berço até o túmulo."

Gerald Thomas

Nova York, 10 de setembro 2010


"Desta vez, depois uma, eu penso, depois estará terminado penso, com aquele mundo também. É o sentido do penúltimo. Tudo se esfuma. Mais um pouco e você fica cego. Está na cabeça. Ela não funciona mais, ela diz EU NÃO FUNCIONO MAIS. Você fica mudo também e os ruídos enfraquecem. Mal se atravessa o limiar é assim. É a cabeça que deve estar cheia."
[fragmento da peça Aporias - baseada em obras de Samuel Beckett]

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Carrinhos convidam - Transubstanciação 0.1


Coletivo Eu Também Quero Um Carrinho de Mercado
II Mostra Sesc de Artes Universitárias
Apresentam:

Vídeo/Exposição Transubstanciação 0.1

"E você fica assim até esquecer que um dia havia eles e você, dentro e fora, simplesmente porque nunca houve nada disso e quando você menos esperar seu desejo primordial será partir a própria cabeça." (Fábio Zimbres, em prefácio a primeira edição da obra Transubstanciação, de Lourenço Mutarelli)

"Transubstanciação 0.1” marca o inicio de uma trilogia na qual o “Coletivo Eu Também Quero Um Carrinho de Mercado” pretende aprofundar-se nas temáticas da morte e do suicídio. Ele é o resultado (em fotos e vídeos) de ações, denominadas de “pequenos suicídios abortados”, que o grupo fez pelas ruas de Curitiba, Dublin (Irlanda), Lisboa (Portugal) entre outras cidades.

Abertura da exposição: 06 de novembro
Horário para visitação: 08h às 22h
Local: Sesc da Esquina - Rua Visconde do Rio Branco, 969
Período da II Mostra Sesc de Artes Universitárias: 06 a 14 de novembro
Programação Completa da Mostra: http://www.sescpr.com.br/eventos/artes-universitarias/


Esperamos você por lá.

domingo, 17 de outubro de 2010

American Beauty



"Às vezes há tanta beleza no mundo que parece que não posso suportar.
Meu coração...parece que vai sucumbir."

"Às vezes, acho que estou vendo tudo de uma vez e é demais.
Meu coração se enche como um balão prestes a estourar.
E então, lembro de relaxar e de tentar parar de apegar-me a isso.
E então, tudo flui através de mim como chuva......e só posso sentir gratidão...
...por todos os momentos da minha vidinha idiota.
Vocês não têm idéia do que estou falando.
Mas não se preocupem.
Um dia, terão."

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Transubstanciação 0.1

Em breve.
Vídeo/instalação Transubstanciação 0.1

Proponente: Márcia Franco
Criação: Daiane Rafaela, Gabriel Machado, Márcia Franco e Semy Monastier
Fotografias: Pedro Doinel
Vídeo: Débora Avadore
Realização: Coletivo Eu Também Quero Um Carrinho de Mercado


quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Há a necessidade de comunicação e cada vez mais meios para isso.
Mas a quantidade de possibilidades nos sufoca cada vez mais.
São meios que criam ruídos. Que bloqueiam emoções.
São meios de comunicação que a impossibilitam.
É a interatividade feita para que as pessoas não interajam.
Sua vida exposta para que alguém se importe.
[e ninguém se importa]
Sua vida exposta sem existir de verdade.
Toda a solidão humana camuflada em camadas.
Em frases prontas repetidas à exaustão. Por quem acredita cada vez mais em sua realidade inventada. Em amigos imaginários. Em sentimentos medidos através de palavras ditas para que todos vejam. Quanto mais exposição mais sentimento.
Um mundo composto de vazio
preenchido pelo excesso de informação.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Roubo

A muito tempo escrevo
alguns cadernos foram forçadamente abandonados [sim, recorro ao velho hábito de escrever a mão normalmente].
E a culpa é sua.
Você só me roubou uma palavra.
Mas essa palavra me tornou engessada.
Eu perdi vocabulário.
Agora eu volto a usar o "alô" quando atendo o telefone, o "olá" pra cumprimentar e não existe + a palavra depois do "tchau".
Eu não tenho mais essa palavra pra ouvir quando você reprovar o meu comportamento.
É tudo tão ridiculo de se escrever. Me sobrou o mundo de palavras
e nenhuma delas combina ou faz sentido.
Eu não tenho palavra pra usar após um pronome possessivo.
Na verdade eu não tenho mais nada.
E vou viver escrevendo mil páginas que não exprimem nada.

"esmagador embaraçoso interminável excessivo insuportável incondicional"

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Carrinhos Convidam


Cena: ÂNSIA, CALMA E CONTROLE

Do texto Ânsia de Sarah Kane
Monólogo de Daiane Rafaela
Direção de Semy Monastier

Precisam-se de muitas coisas. O quê? Um incentivo, uma promessa, um amor, a paz, a ausência do medo, o desejo de um amanhã. Personificam-se todos estes desejos em um espaço atemporal. Presente que carrega passado e futuro. ÂNSIA, CALMA E CONTROLE traz a cena um contraponto nas relações humanas, é o amor que é tão grande que machuca, que fere, mas que inevitavelmente ainda pulsa em nós, apesar das pontas que criamos para evitá-lo.

Dia 24/08 (terça feira)
A partir das 19hrs
Teatro Laboratório da FAP - Estúdio 3
Ruas dos funcionários 1756

terça-feira, 20 de julho de 2010

Carrinhos Convidam




FESTIVAL DULCINA DE CENA CURTAS (Brasília - DF)

Cena: ÂNSIA, CALMA E CONTROLE
24 de julho no Teatro Dulcina de Morais

Precisam-se de muitas coisas. O quê? Um incentivo, uma promessa, um amor, a paz, a ausência do medo, o desejo de um amanhã. Personificam-se todos estes desejos em um espaço atemporal. Presente que carrega passado e futuro. ÂNSIA, CALMA E CONTROLE traz a cena um contraponto nas relações humanas, é o amor que é tão grande que machuca, que fere, mas que inevitavelmente ainda pulsa em nós, apesar das pontas que criamos para evitá-lo.

Realização: Coletivo Eu Também Quero Um Carrinho de Mercado
Criação: Daiane Rafaela
Orientação: Gabriel Machado e Semy Monastier
Texto: Sarah Kane
Iluminação: Semy Monastier

Fotos 1 e 2: Vinicius Armiliato
Foto 3: programação completa do festival

Beijos nas rodinhas.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

rabisco de carrinho















fevereiro de 2010

mostra de estudo













início de uma pesquisa sobre tornar-me estrangeira


video



sem título, 2010

coletivo eu também quero um carrinho de mercado
conceito - marcia franco
participação - daiane rafaela, gabriel machado, semy monastier

os não lugares. a qualquer parte. as passagens. os vestígios.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

ANTI MANIFESTO


Isso NÃO É UM MANIFESTO
NÃO É UM ANTICRISTO
UM ANARQUISTA
OU UM ASTERISCO






Larguem seus croissants e ...

Por favor, não se comovam.

Isso apenas constitui uma onomatopéia escatológica, acompanhada de tímpanos vibrantes.

Onde os reis e rainhas não lutam mais por sua loucura pessoal.

Eles pixam em ovelhas

em silencio

sem desespero

vocês também acharão a sua

mas para isso parem de se esconder atrás desta velha e falsa inocência artística!


E lembrem-se

é sempre mais fácil pedir desculpas do que pedir permissão!


Marie Antoinette c`est moi!

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Carta Final

Eu dormi por 12 horas
Agora não durmo mais.
Não tomo banho a três dias e não como mais.
Bebo água e qualquer destilado forte o suficiente para me fazer sentir que existe algo por dentro.
Meu corpo luta contra mim.
As dores estão sendo suportadas por dias.
Todos os carbonos que eu poderia liberar não materializam os sentimentos que estão guardados.
Não vejo esperanças para uma futura sensibilidade afetiva.

sábado, 1 de maio de 2010

Carrinhos Convidam


Coletivo Eu Também Quero Um Carrinho de Mercado apresenta:

C6H12O6(s) + 6 O2(g) ↔ 6 CO2(g) + 6 H2O (l) + energia [O]<3

08 de maio – 20hrs
Hall de Entrada – Sesc da Esquina – Entrada Franca

A complexidade no projeto de sistemas eletrônicos tem aumentado devido à evolução tecnológica e permite a concepção de sistemas inteiros. Com o objetivo de reduzir a alta complexidade de projeto, custos de projeto e o tempo de lançamento do produto no mercado, os sistemas são desenvolvidos em módulos funcionais, pré-verificados e pré-projetados, denominados de núcleos de propriedade intelectual (IP – do inglês, Intellectual Property). Esses núcleos IP podem ser reutilizados de outros projetos ou adquiridos de terceiros. Entretanto, é necessário prover uma estrutura de comunicação para interligar esses núcleos e as estruturas atuais.

Criação: Daiane Rafaela, Gabriel Machado e Semy Monastier Colaboração: Camila Couto Figurino: Guilherme Marks Vídeo: Débora Avadore Design Gráfico e Fotos: Andressa Marcondes


Instalação “Carrinho do Descarte” ou “Carrinho-túmulo”


4 a 8 de maio - 8hrs as 22hrs
Hall de Entrada- Sesc da Esquina


De 4 a 8 de maio estará instalado no Hall de Entrada do Sesc da Esquina um Carrinho de Mercado vazio.
Te convocamos a encher este carrinho. E daí você nos pergunta, mas com o quê?
Traga tudo que você não usa mais. Sabe aquelas coisas (fotos, papéis, cartas, roupas, etc, etc, etc.) que a gente vai acumulando durante a vida e que em um determinado momento a gente percebe que elas não fazem mais sentido? Então, descarte-as no carrinho.
Desapegue e participe!
E pode ficar tranqüilo, no carrinho-túmulo só ele e você sabem o que está ali dentro.
E se você quiser saber qual será o fim do tão acolhedor carrinho de mercado, venha dia 08 as 20 hrs e assista a performance C6H12O6(s) + 6 O2(g) ↔ CO2(g) + 6 H2O (l) + energia [O]<3


Este Projeto integra a programação do Ato Performático realizado pelo Sesc da Esquina
Programação completa do evento no site:
http://www.sescpr.com.br/eventos/ato_performatico_2010/caderno.pdf

Antenciosamente Coletivo Eu Tambem Quero Um Carrinho de Mercado
http://eutambemqueroumcarrinhodemercado.blogspot.com/
http://twitter.com/eusouumcarrinho

terça-feira, 13 de abril de 2010

Cartas - II

Dearest, I feel certain I am going mad again. I feel we can't go through another of those terrible times. And I shan't recover this time. I begin to hear voices, and I can't concentrate. So I am doing what seems the best thing to do. You have given me the greatest possible happiness. You have been in every way all that anyone could be. I don't think two people could have been happier till this terrible disease came. I can't fight any longer. I know that I am spoiling your life, that without me you could work. And you will I know. You see I can't even write this properly. I can't read. What I want to say is I owe all the happiness of my life to you. You have been entirely patient with me and incredibly good. I want to say that - everybody knows it. If anybody could have saved me it would have been you. Everything has gone from me but the certainty of your goodness. I can't go on spoiling your life any longer.
I don't think two people could have been happier than we have been.

V.'


sexta-feira, 9 de abril de 2010

Cartas - I

ao som do bom e velho The Cure ...

tenho transformado antigas palavras em fumaça
naquele carbono que a gente ingere
são diversas cartas
algumas de pessoas que eu amo eternamente
outras de pessoas que já passaram tanto tempo ao meu lado
algumas de pessoas que eu creio nunca mais verei
e finalmente, algumas de pessoas que eu nunca vi na vida! sim, incrivelmente eu me correspondia com pessoas que nunca vi pessoalmente!
são provavelmente, centenas de cartas. Cartas que foram guardadas por tanto tempo que já não fazem mais sentido em mante-las em sua "estrutura" original
então resolvi torna-las parte de mim, e de você que vai estar presente
palavras de pessoas que você nunca viu na vida estarão tocando você.
grudando em suas roupas, em sua pele, em seu cabelo
palavras de carinho, de curiosidade, de preocupação e de desabafo

mas tudo isso é muito fácil pra mim
eu escolho as palavras que eu quero desintegrar
já as palavras que eu devia fazer sumir, essas estão confortavelmente guardadas longe de mim
em um local seguro da minha piromania
e longe de toda a sua água que tambem as deforma

assim se faz um ato cenico, com verdades e um pouco de hipocrisia.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

I don't wanna be lonely I just wanna be alone

Sempre escuto a respeito desse assunto de duas vias. Solidão, estar sozinho.
Pois pra mim é muito clara tal diferença.
Pra maioria das pessoas o estar só ja significa ser solitário.
Pois bem, sou uma criatura que não vê problema algum em encarar um cinema, um teatro, um museu, uma ida ao mercado, que seja, desacompanhada. Na verdade, ergo a bandeira do antes "só" do que mal acompanhado!
O que quero dizer é que muitas vezes acontece de me sentir a criatura mais solitária do mundo quando estou ao redor das pessoas que eu mais gosto da companhia. Nada pode ser mais deprimente que isso! Então prefiro ficar sentada pro lado de fora de um bar [o cúmulo do ridiculo literal de outsider] ou ir sozinha pra pista no dancing with myself .
Nesse mundo que gira a gente, se sentir solitário é muito fácil, o dificil é encarar estar só e saber não se deixar consumir pelo individualismo.

quarta-feira, 31 de março de 2010

segunda-feira, 29 de março de 2010

Da necessidade de lembrar.



Durante toda nossa vida nos apegamos a lembranças. Cheiros, cores, papéis, músicas. O fato é que construímos nossas vidas em cima dessas memórias, nossa identidade é criada a partir delas. Repetimos incontavelmente as mesmas historias [e sempre um pouco diferente do que aconteceram realmente]. Temos uma necessidade física de lembranças, prova disso são as cartas que você trocava com seus amigos do colégio que você ainda guarda junto com as fotografias que ocupam aquela caixa empoeirada no armário ou alguns gigas de memória em seu computador. Até as máquinas possuem memória, porque caso você esqueça, suas lembranças estão ali [naquela memória artificial], para te fazer lembrar, para fazer questão de não te deixar esquecer. Mas lembrar o quê? Lembrar por quê? Por que necessitamos tanto dessas lembranças? Por que se faz tão necessário essa memória, sempre manipulada, mesmo que inconscientemente? Se o passado não volta, se aquilo já aconteceu e o que nos importa é o momento atual? Lembramos para saber quem somos, para ter certeza que estamos vivos e que temos uma história. Lembramos porque temos cicatrizes que não nos deixam esquecer. Somos feitos desses fragmentos do passado que insistem em se fazer presentes. E que insistimos em manter vivos.
Mas não se engane, a memória é um bicho traiçoeiro, que te faz lembrar das coisas como você quer, te faz guardar as coisas de um jeito bonito [por mais doloroso que seja], e depois, vai lentamente borrando os fatos. Como uma folha de papel que aos poucos vai amarelando, suas lembranças ficam cada vez mais fracas com o passar do tempo. E em breve, você esquecerá tudo o que achou que lembraria para sempre. O que você é sem suas lembranças?



*Imagem mais clichê, impossível. Do filme Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Happy You're Gone


Existem carrinhos que têm a (__)felicidade de lembrarem o tempo todo que são efêmeros.

O CHEIRO

Átila concebeu a morte. Enterrado, era a permanência. Conservava os sentidos: Tato, olfato, visão, audição, paladar. Morte, impossança diante dos bichinhos que corriam pelo seu corpo e boca já cheio de terra. Era perceber-se comida. Morte, mesmo, era o cheiro, terrível, acerbo, atroz, excessivo, incômodo, invencível, inafastável. Um cheiro espantoso, torvo, que ia ao fundo dele e vinha dele. Parecia que ele tinha nascido naquele momento, dentro do cheiro. Átila apodrecia. Estava se decompondo e sentia o cheiro terrulento da própria decomposição. Picante, feroz, exorbitante. O cheiro cortava como tesoura em pano, serras circulares na madeira, castores roendo árvores, sua carne debastada por uma enxó, decepada, estraçalhada, retalhada, de tal modo insuportável que Átila queria gritar. Sua voz, não existia.
Morte, era aquilo, o próprio destino, sozinho, no escuro, sem socorro, amparo, dependência. Morte, é a insegurança, a individualidade. Ele queria voar, queria que a decomposição acabasse. E à medida que ela, a decomposição, era mais forte, ele, mais fraco. Quando o cheiro atingiu um limite inimaginável, pavoroso, violento medonho, alem de qualquer órbita admissível, tendo subido como um foguete com a força de 500 mil locomotivas, Átila tinha, um mínimo de consciência. Muitos dias, semanas, meses tinham corrido. Com aquele cheiro podre e dissolvido, cada milésimo de segundo tinha se constituído de mil anos, cada segundo, minutos, hora, dia, mês era um tempo imensurável. Átila desapareceu e o cheiro (Átila) permaneceu.
(Trecho de Zero, romance de Ignácio de Loyola Brandão)
(Imagem de Dave Mckean)

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

descarte

em carrinhos de mercado colocamos os objetos que, por instantes ou anos, compartilharão de nossas vidas até o momento do descarte.
podemos esquecer desses objetos, mas os carrinhos não os esquecem.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Quando os sentidos se expandem ...



Andar andar andar
roboticamente fazemos isso todos os dias
sem nos sentir e sem realmente ver por onde andamos e onde estamos.
Mas se saimos do nosso "espaço de conforto" as coisas mudam.
Quando conhecemos novas cidades, novos locais, nosso interesse aumenta.
Quanto mais distante estamos do nosso "local comum" mais intensos ficam nossos sentidos.
Prestamos atenção aos novos sons, experimentamos novos sabores, novos cheiros, novos campos de visão.
Tudo se torna prazeroso, e por algum tempo ainda conseguimos nos manter nesse estado tão intenso. Até perdermos tudo novamente.
E esse "estado" que estes carrinhos buscam!
Estar sempre cheio, transbordando de coisas e sensações.
Sempre em busca de renovação, de conseguir tirar coisas novas de onde estamos.
Como uma das minhas bandas favoritas diz "I can`t use what i can`t abuse" vamos abusar de tudo o que temos, encontrar novas soluções.
E quando conhecermos novos locais, ter novas duvidas, novas buscas, novos prazeres.

Tenham um 2010 cheio de NOVAS!

sábado, 2 de janeiro de 2010

Será que eu agüento o peso da cesta [parte 4] ou 2010 Megalomaníaco.

Na primeira parte deste texto comentei que o interesse que tínhamos na rua, de nos jogar na rua, era porque nela, a solidão é mais seca, a vida passa rápido demais (ou devagar demais, como quiser). Ali, em meio a um monte de concreto, em meio às pessoas-concreto, pessoas-cimento, pessoas-tijolos, você vê o quão pequeno você é. E quanto cimentado você está também. Você é mais um. Igual. No máximo com uma pintura diferente, que mesmo assim, se perde.
Então eu desejo, do fundo do meu carrinho, que sejamos maiores, que sejamos cor neste mundo daltônico e em tons cinza*. Que carrinhos invadam a cidade com vontade de mover, de dançar, de gritar, de protestar, de expor nossas rodinhas sem medo que a rua nos esmague, sem medo desta porra de solidão, sem medo de existir.

Carrinhos do mundo! Sejam livres! Sejam Vivos! Sejam Grandes.

Feliz 2010 Megalomaníaco.