sábado, 13 de fevereiro de 2010

Happy You're Gone


Existem carrinhos que têm a (__)felicidade de lembrarem o tempo todo que são efêmeros.

O CHEIRO

Átila concebeu a morte. Enterrado, era a permanência. Conservava os sentidos: Tato, olfato, visão, audição, paladar. Morte, impossança diante dos bichinhos que corriam pelo seu corpo e boca já cheio de terra. Era perceber-se comida. Morte, mesmo, era o cheiro, terrível, acerbo, atroz, excessivo, incômodo, invencível, inafastável. Um cheiro espantoso, torvo, que ia ao fundo dele e vinha dele. Parecia que ele tinha nascido naquele momento, dentro do cheiro. Átila apodrecia. Estava se decompondo e sentia o cheiro terrulento da própria decomposição. Picante, feroz, exorbitante. O cheiro cortava como tesoura em pano, serras circulares na madeira, castores roendo árvores, sua carne debastada por uma enxó, decepada, estraçalhada, retalhada, de tal modo insuportável que Átila queria gritar. Sua voz, não existia.
Morte, era aquilo, o próprio destino, sozinho, no escuro, sem socorro, amparo, dependência. Morte, é a insegurança, a individualidade. Ele queria voar, queria que a decomposição acabasse. E à medida que ela, a decomposição, era mais forte, ele, mais fraco. Quando o cheiro atingiu um limite inimaginável, pavoroso, violento medonho, alem de qualquer órbita admissível, tendo subido como um foguete com a força de 500 mil locomotivas, Átila tinha, um mínimo de consciência. Muitos dias, semanas, meses tinham corrido. Com aquele cheiro podre e dissolvido, cada milésimo de segundo tinha se constituído de mil anos, cada segundo, minutos, hora, dia, mês era um tempo imensurável. Átila desapareceu e o cheiro (Átila) permaneceu.
(Trecho de Zero, romance de Ignácio de Loyola Brandão)
(Imagem de Dave Mckean)

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