segunda-feira, 29 de junho de 2009

Para que carrinhos coloridos invadam a cidade...

E em meio àquele mundo daltônico e monocromático, ela era apenas poeira colorida. Pontinhos brilhantes que cintilavam nas praças, bares, becos, na pele das pessoas andando na praia durante a noite, nos vulcões vomitando lava e em tudo mais. Ah, se alguém pudesse ver como aquilo era bonito! Era como se pedaços do céu, com dó da decadência humana, se desprendessem e caíssem sobre a terra, numa tentativa de melhorá-la. Ela se derretia sobre o tédio, e então tudo ficava mais desejável.
Isso, é claro, se alguém pudesse ver, o que não acontecia. Ela era a cor e o brilho de um mundo que só enxergava em escalas de cinza. Mas, mesmo que ninguém percebesse, ela continuaria. O prazer estava em ser a melancolia de um mundo monótono, a beleza em meio ao choque da realidade. Talvez, se pensasse racionalmente, veria que nada daquilo importava, que era tudo inútil, nada mudaria e uma hora ela seria enterrada. Mas ela preferia acreditar que sem sua presença o mundo mergulharia numa onda de suicídios coletivos. A ilusão de viver era fundamental para que existisse. Se aceitasse a verdade, ela descobriria que não era pó colorido, era só poeira acumulada sobre coisas velhas. Então vivia na mentira. Na verdade, não ligava para verdades ou mentiras, desde que elas durassem.
Mas ela se esqueceu de que tanto as mentiras longas como as verdades curtas acabam. Então um dia veio um vento forte e ela foi afogada sob as camadas de terra para nunca mais colorir. E vieram outros pós, vindos de outros lugares, mas nenhum foi tão bonito quanto ela. Pois eles queriam ser vistos, e ela queria apenas... Apenas ser. Não esquecer. Lembrar de todos aqueles rostos apáticos, observando sem nenhuma expressão, dos olhos parados em algum lugar inexistente. E o vidro. O vidro que prendia todo mundo numa cela minúscula, o mesmo vidro que estava nos olhinhos solitários que esperavam algo pra esperar. Vidro que ela queria ser, só pra poder se jogar de um precipício e soltar todo mundo. Ela queria deixá-los sozinhos pra que procurassem uns aos outros. Queria lembrar dos rostinhos de porcelana, mesmo que nem eles próprios não lembrassem de si. Embora eles não soubessem mais quem ou por que eram, ela só queria ser uma ferida que sangra e jorra pus, numa última e desesperada tentativa de fazê-los lembrar. Mais que isso, de fazer com que ela mesma lembrasse. Como aqueles polaróides velhos.
Mas isso tudo morreu agora. Agora ela é cinza e não lembra de nada.

Mary Alien (lambidasnautopia.co.nr)

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