segunda-feira, 21 de maio de 2012

[Retrato 6]

"É muito duro para mim - eu que devereia ter nascido na década de 1880 me acho meio como um proscrito aqui. Nem mesmo posso usar corretamente uma rosa na lapela. Deveria andar de bengala, como meu pai; ando porém de chapéu de feltro com vinco, mesmo ao caminhar pela Bond Street, e não de cartola. Contudo ainda gosto, se a palavra ainda for adequada, da sociedade, graduada como uma dessas barras de gelo embrulhadas em papel enrugado - na verdade diziam que os italianos as conservavam embaixo da cama em Bethnal Green. Da espirituosidade de Oscar [Wilde]; e da mulher de lábios vermelhos de pé sobre uma pele de tigre num piso escorregadio - com a boca do tigre escancarada. 'Mas ela pinta!' (foi o que disse minha mãe), o que queria naturalmente dizer as mulheres de Piccadilly. Era esse o meu  mundo. Agora qualquer um pinta. Tudo é branco como açúcar, até as casas, na Bond Street, feitas de concreto, com lascas de limalha de aço.
Ao passo que eu gosto de coisas tranquilas; cenas de Veneza; garotas numa ponte; um homem pescando; calma  de domingo; talvez um joguinho. Estou indo agora, já no próximo onibus a motor, para o chá com tia Mabel em Addison Road. A casa dela ainda conserva um pouco disso que eu tenho em mente; o bode, por exemplo, deitado ao sol bem na calçada; o distinto e aristocrático bode velho; e os condutores usando os faisões dos Rothschilds suspensos em seus chicotes, e um jovem como eu sentando-se na caixa ao lado do condutor.
Mas aí vem eles brandindo suas bengalas de freixo em pleno Piccadilly; alguns sem chapéus; todos pintados. E virtuosos; sérios os jovens de hoje em dia são tão desesperados, conduzindo seus carros de corrida para a revolução. Posso lhe garantir que a clematite no Surrey cheira a petróleo. E olhe só lá na esquina; tijolo vermelho-rosa entregando a lama numa lufada de pó. Ninguém a não ser eu liga a mínima - e tio Edwin e tia Mabel. Todos dois levantam sua velinha contra esses horrores; e o mesmo não podemos fazer, nós que caímos e nos espatifamos e arrastamos para cima de nós o velho candelabro. Eu sempre digo que qualquer um pode quebrar um prato; mas o que admiro é a porcelana velha presa com rebites."

Retrato 6 - Virginia Woolf

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