segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O inexplicável horror de saber que esta vida é verdadeira.

- Não é preciso marcar o tempo, basta abandoná-lo, ela me disse uma vez. De que adianta saber que dia é hoje? As horas sim, são importantes. O dia é bem dividido. Cada hora uma coisa certa. Melhor viver um dia só, sem fim. O que tiver de acontecer, é dentro dele.

- Os dias guardados. Armazenados. Neles, nenhuma marca. Rasura sequer. Conjunto, soma de todos os nossos instantes. Agora sei. Cada momento era uma antecedência para nós. Uma espera que se substituía infinitamente. Vivíamos na ansiedade pela ocasião que haveria de chegar.
Assim, nossa vida se distendia como um elástico. Esticava-se ao ponto máximo, atingindo o estado de tensão, incômoda inquietação. Quando o dia se acabava, a esperança nascia outra vez dentro de nós. Aguardávamos os instantes que faria o dia seguinte repleto-vazio.
Instantes despidos daquilo que faltava. Algo que necessitávamos e não íamos procurar. Ficávamos na expectativa que acontecesse. Havia uma falta. Não somente dentro do tempo. Porém um vazio concreto. Lancinante. Em cada canto da casa se projetava a sua sombra. Compacta.
Fomos preenchendo o apartamento com objetos. Até que se assemelhou a um bazar de artigos únicos, invendáveis. Cristaleiras cheias de compoteiras, xícaras, saleiros, copos, taças e licoreiras. Paredes com quadros, reproduções, flâmulas, santos, retratos, relógios parados.
[...]
E calendários. Dois ou três em cada cômodo, escolhidos por ela. Brindes ganhos nos Superpostos de Distribuição Alimentar. Comprados na igreja. Folhinhas que nos ensinavam vários costumes obsoletos. Como a boa época para se plantar e colher. Ou que davam o bom e o mau tempo.

- Será que não era o barulho das cabecinhas estourando?

(Não Verás País Nenhum - Ignácio de Loyola Brandão)

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