- Não é preciso marcar o tempo, basta abandoná-lo, ela me disse uma vez. De que adianta saber que dia é hoje? As horas sim, são importantes. O dia é bem dividido. Cada hora uma coisa certa. Melhor viver um dia só, sem fim. O que tiver de acontecer, é dentro dele.
- Os dias guardados. Armazenados. Neles, nenhuma marca. Rasura sequer. Conjunto, soma de todos os nossos instantes. Agora sei. Cada momento era uma antecedência para nós. Uma espera que se substituía infinitamente. Vivíamos na ansiedade pela ocasião que haveria de chegar.
Assim, nossa vida se distendia como um elástico. Esticava-se ao ponto máximo, atingindo o estado de tensão, incômoda inquietação. Quando o dia se acabava, a esperança nascia outra vez dentro de nós. Aguardávamos os instantes que faria o dia seguinte repleto-vazio.
Instantes despidos daquilo que faltava. Algo que necessitávamos e não íamos procurar. Ficávamos na expectativa que acontecesse. Havia uma falta. Não somente dentro do tempo. Porém um vazio concreto. Lancinante. Em cada canto da casa se projetava a sua sombra. Compacta.
Fomos preenchendo o apartamento com objetos. Até que se assemelhou a um bazar de artigos únicos, invendáveis. Cristaleiras cheias de compoteiras, xícaras, saleiros, copos, taças e licoreiras. Paredes com quadros, reproduções, flâmulas, santos, retratos, relógios parados.
[...]
E calendários. Dois ou três em cada cômodo, escolhidos por ela. Brindes ganhos nos Superpostos de Distribuição Alimentar. Comprados na igreja. Folhinhas que nos ensinavam vários costumes obsoletos. Como a boa época para se plantar e colher. Ou que davam o bom e o mau tempo.
- Será que não era o barulho das cabecinhas estourando?
(Não Verás País Nenhum - Ignácio de Loyola Brandão)
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
terça-feira, 18 de agosto de 2009
Peça Coração
Um - Posso pôr meu coração a seus pés.
Dois - Se não sujar meu chão.
Um- Meu coração é limpo.
Dois - É o que veremos.
Um - Eu não consigo tirar.
Dois - Quer que eu ajude?
Um - Se não incomodar.
Dois - É um prazer pra mim. Eu tambem não consigo tirar.
Um (chora)
Dois- Vou operar e tirar pra você. Para que quê eu tenho um canivete. Vamos dar um jeito já. Trabalhar e não desesperar. Pronto - aqui está. Mas isto é um tijolo. Seu coração é um tijolo.
Um - Mas ele bate por você.
(texto Heiner Muller, tradução Marcos Renaux)
Dois - Se não sujar meu chão.
Um- Meu coração é limpo.
Dois - É o que veremos.
Um - Eu não consigo tirar.
Dois - Quer que eu ajude?
Um - Se não incomodar.
Dois - É um prazer pra mim. Eu tambem não consigo tirar.
Um (chora)
Dois- Vou operar e tirar pra você. Para que quê eu tenho um canivete. Vamos dar um jeito já. Trabalhar e não desesperar. Pronto - aqui está. Mas isto é um tijolo. Seu coração é um tijolo.
Um - Mas ele bate por você.
(texto Heiner Muller, tradução Marcos Renaux)
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
Carrinhos e Existencialismo
Quando estes carrinhos mal tinham rodinhas suas conversas acabavam em existencialismo.
Afinal, ainda não tinhamos uma essência mas já existiamos - fato.
Para Sartre, a liberdade dá ao homem o poder de escolha, mas está sujeita às limitações do próprio homem.
Coincidentemente, 2 carrinhos tiveram que preparar uma cena do texto Entre 4 Paredes de Sartre.
Essa cena acabou gerando uma nova cena, tivemos a liberdade e oportunidade de modifica - la para uma nova apresentação.
Resolvemos começar do zero. A única coisa que tinhamos certeza é que nesta cena nós usariamos pela primeira vez nosso carrinho de mercado.
A cena acabou tornando -se uma paródia da própria "tarefa" de criar uma cena, e de todo trabalho dos atores.
Aventuras assim são sempre bem vindas e estes carrinhos existem para experimentar!
terça-feira, 11 de agosto de 2009
Utopias de Aproximação
Os anos 80 e 90 pareciam ter decretado o fim das utopias, examinou-se muito o conceito, criaram-se outros, como heterotopia e distopia.
Mas, em 2001, Nicolas Bourriaud aponta para as "utopias de aproximação", práticas artísticas que se estendem num vasto território de experimentações sociais, e que pretendem agir, gerando novas percepções e novas relações de afeto, num mundo regulado pela divisão do trabalho, a ultra-especialização e o isolamento individual.
Para o filósofo francês, a arte contemporânea desenvolve um projeto político entanto se esforça em investigar e problematizar a esfera relacional. Para ele, a exposição é um lugar privilegiado onde se instalam coletividades instantâneas, regidas por princípios diversos de acordo com o grau de participação do espectador exigido pelo artista, a natureza das obras, os modelos de sociabilidade propostos ou representados, que gera um território de intercâmbios específico.
A arte contemporânea se propõe modelar mais que representar, pretende inserir-se e agir dentro do tecido social mas do que se inspirar nele. De esse ponto de vista, a obra de arte se constitui como um interstício social, um espaço de relações humanas que, ao se integrar mais ou menos harmoniosa e abertamente no sistema global, sugere outras possibilidades de intercâmbios que aqueles que vigentes nesse sistema.
De acordo com Bourriaud, a tarefa da arte contemporânea no campo do intercambio das representações é criar espaços livres, propor temporalidades cujo ritmo atravesse àqueles que organizam a vida cotidiana, é favorecer relacionamentos intrapessoais diferentes daqueles que nos impõe a sociedade da comunicação.Não o fim da arte, não o fim do jogo, mas o fim da rodada. È necessário lembrar com Duchamp que A arte é um jogo entre todos os homens de todas as épocas.
*Trecho do texto "Intervenções Suburbanas"
Maria Angélica Melendi
Mas, em 2001, Nicolas Bourriaud aponta para as "utopias de aproximação", práticas artísticas que se estendem num vasto território de experimentações sociais, e que pretendem agir, gerando novas percepções e novas relações de afeto, num mundo regulado pela divisão do trabalho, a ultra-especialização e o isolamento individual.
Para o filósofo francês, a arte contemporânea desenvolve um projeto político entanto se esforça em investigar e problematizar a esfera relacional. Para ele, a exposição é um lugar privilegiado onde se instalam coletividades instantâneas, regidas por princípios diversos de acordo com o grau de participação do espectador exigido pelo artista, a natureza das obras, os modelos de sociabilidade propostos ou representados, que gera um território de intercâmbios específico.
A arte contemporânea se propõe modelar mais que representar, pretende inserir-se e agir dentro do tecido social mas do que se inspirar nele. De esse ponto de vista, a obra de arte se constitui como um interstício social, um espaço de relações humanas que, ao se integrar mais ou menos harmoniosa e abertamente no sistema global, sugere outras possibilidades de intercâmbios que aqueles que vigentes nesse sistema.
De acordo com Bourriaud, a tarefa da arte contemporânea no campo do intercambio das representações é criar espaços livres, propor temporalidades cujo ritmo atravesse àqueles que organizam a vida cotidiana, é favorecer relacionamentos intrapessoais diferentes daqueles que nos impõe a sociedade da comunicação.Não o fim da arte, não o fim do jogo, mas o fim da rodada. È necessário lembrar com Duchamp que A arte é um jogo entre todos os homens de todas as épocas.
*Trecho do texto "Intervenções Suburbanas"
Maria Angélica Melendi
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